quarta-feira, novembro 21, 2007

Avô

A tua vida pintou a minha.

Emaranhava-me na confusão de pernas, quando tentavas ensinar-me o b a ba das primeiras marchas. Seguia de olhar atento o teu dedo espetado em todas as direcções porque tudo te maravilhava. Sempre me encantou a tua curiosidade, a tua jovialidade que, a passos lentos, e ajudada pelo bordão da experiência, percorria as entranhas tépidas da tua querida Coimbra.
Conheci-te sempre com esse olhar de criança ávida do saber. Aprendi-te. Empunhando a bandeira da responsabilidade, educaste quatro crianças, abandonaste uma vida impregnada de luta e de odor tropical e soubeste, com humildade, seguir um trilho que tu coagias a sorrir-te. Debaixo de um intenso cheiro a torradas com manteiga Planta, acompanhadas com o chá de fim de tarde feito pela tua mulher, elogiavas, com o olhar, o Mondego. Como banda sonora, o rodar metálico dos carros na Rua da Alegria e o cantar melancólico do canário amarelo, cujos frequentes bungee jumpings o fortaleciam ainda mais.
A tua vida pincelou a minha.
Personalidade forte, detentor de sonoras gargalhadas, trabalhador incansável, com a caligrafia burilada no Curso Comercial. Seguidor fiel dos passos dos descendentes, devorador impaciente da actualidade empilhada nos sofás da sala. De dia, guardavas a loja que, para mim, se assemelhava a um recanto mágico, repleto de doces e literatura; de noite, subias a gemebunda escadaria de madeira e anunciavas a tua chegada.
Apesar de inconsciente do teu estado, a velhice pregou-te uma partida e anunciaste, sempre de sorriso e postura firme, a tua partida. Restam odores de alegria, olhar negro de uma vivacidade infantil incomparável e aquela saudável curiosidade e sofreguidão pelo saber que nos contagiou. Memórias bramem no mar da saudade...
Teresa Pêgo

3 comentários:

Unknown disse...

Querida amiga,
Sinto muito!
Um beijo muito grande

Hermínia disse...

Querida sobrinha foi com emoção que li este lindo texto dedicado ao teu querido avô (meu pai) que tão bem soubeste retratar.
É com imenso carinho que recordo aquele avô "bonacheirão" a marchar com sua netinha, esquecendo sempre que estava com ela as vicissitudes que a vida lhe deu.
Beijinhos Mininha

Liliana Carvalho Lopes disse...

Linda homenagem.

Revejo-me e ao meu avô em algumas das tuas palavras; avô que também vi partir.
Restam as recordações.

Um beijo*
Liliana
(lilalopes BC)