Emaranhava-me na confusão de pernas, quando tentavas ensinar-me o b a ba das primeiras marchas. Seguia de olhar atento o teu dedo espetado em todas as direcções porque tudo te maravilhava. Sempre me encantou a tua curiosidade, a tua jovialidade que, a passos lentos, e ajudada pelo bordão da experiência, percorria as entranhas tépidas da tua querida Coimbra.
Conheci-te sempre com esse olhar de criança ávida do saber. Aprendi-te. Empunhando a bandeira da responsabilidade, educaste quatro crianças, abandonaste uma vida impregnada de luta e de odor tropical e soubeste, com humildade, seguir um trilho que tu coagias a sorrir-te. Debaixo de um intenso cheiro a torradas com manteiga Planta, acompanhadas com o chá de fim de tarde feito pela tua mulher, elogiavas, com o olhar, o Mondego. Como banda sonora, o rodar metálico dos carros na Rua da Alegria e o cantar melancólico do canário amarelo, cujos frequentes bungee jumpings o fortaleciam ainda mais.
A tua vida pincelou a minha.
Personalidade forte, detentor de sonoras gargalhadas, trabalhador incansável, com a caligrafia burilada no Curso Comercial. Seguidor fiel dos passos dos descendentes, devorador impaciente da actualidade empilhada nos sofás da sala. De dia, guardavas a loja que, para mim, se assemelhava a um recanto mágico, repleto de doces e literatura; de noite, subias a gemebunda escadaria de madeira e anunciavas a tua chegada.
Apesar de inconsciente do teu estado, a velhice pregou-te uma partida e anunciaste, sempre de sorriso e postura firme, a tua partida. Restam odores de alegria, olhar negro de uma vivacidade infantil incomparável e aquela saudável curiosidade e sofreguidão pelo saber que nos contagiou. Memórias bramem no mar da saudade...
Teresa Pêgo